Invasão de produtos
coreanos, que vêm da música, da literatura e do cinema, é resultado de
uma política de investimento externo que usa a arte como veículo
Desde que o vídeo de
Gangnam Style se tornou popular
entre usuários do YouTube do mundo todo, é comum ouvir que o rapper
sul-coreano Psy “deu sorte”. Afinal, quem poderia imaginar que um
asiático gorduchinho, de meia-idade, roupas ridículas e coreografia
ainda mais esdrúxula poderia se tornar tão popular? Mas o fenômeno não é
tão casual quanto parece. Na verdade, o êxito de Psy pode ser creditado
a um grande esforço de marketing da Coreia do Sul, que vem tomando a
cultura pop como veículo e emplacando artistas em diversas áreas do
Ocidente nos últimos meses.
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Secretário-geral da ONU se rende ao Gangnam Style
No poder desde 2008, o atual presidente sul-coreano, Lee Myung-bak, vem
se notabilizando por apostar em produtos culturais para divulgar o
país. Psy pode não estar diretamente envolvido no projeto, mas é um
beneficiado indireto do que ficou conhecido como “Hallyu” em outros
países da Ásia, principalmente no Japão, ou “onda coreana”, estratégia
iniciada quando o K-pop, gênero musical da Coreia que busca inspiração
no pop e no hip-hop americanos,
conquistou adolescentes no exterior, inclusive no Brasil. Após o sucesso de Psy, esse movimento de invasão coreana passou a ser chamado também de “efeito Psy” e “Psymania”.
“O sucesso de
Gangnam Style foi importante para tornar a
Coreia do Sul mais conhecida. A sátira é uma forma de arte comum à
maioria dos países. Feito de novos ricos, o bairro de Gangnam tem
reputação de ser um lugar tão extravagante quanto Beverly Hills e,
apesar da zombaria, a música dá a impressão de aquele ser um lugar rico e
atraente. Algumas agências de viagem já estão oferecendo tours para
lá”, conta o embaixador Young Sam Ma, do Ministério das Relações
Exteriores.
Segundo ele, uma música como a de Psy não estava exatamente nos planos
do governo, mas o país embarcou no sucesso. “Nós podemos e devemos
utilizar essa onda como ferramenta de poder”, afirma. Segundo ele, o
interesse do país está em criar uma “marca nacional”. “Assim como o
Brasil é associado ao samba, Carnaval e futebol, que conferem ao país
uma imagem calorosa e amigável, nós queremos divulgar imagens positivas
da Coreia: de uma sociedade cosmopolita, dinâmica e em rápida
transformação.”
Onda coreana – Somente no último ano, a Coreia do Sul
exportou dezenas de produtos culturais para o Ocidente, entre
representantes da música, do cinema e da literatura. Nessa leva, figura o
grupo Girls' Generation, que em recente turnê pelos Estados Unidos
tocou na maior e mais conhecida casa de shows do país, o Madison Square
Garden, de Nova York, e apareceu no programa de David Letterman, o
Late Show,
um dos mais populares da TV americana. Bem recebida, a banda também foi
tema de um perfil de oito páginas da conceituada revista
The New Yorker.
A essa lista, se unem filmes de sucesso como
The Thieves, de
Choi Dong-hun, que fez 82 milhões de dólares em bilheteria na Coreia do
Sul. O longa era aposta de sucesso coreano nos cinemas americanos quando
estreou, há uma semana, mas a aposta não se efetivou. Outro êxito
cinematográfico é
Pietà, de Kim Ki-duk, que venceu o Leão de
Ouro no Festival de Veneza e, graças ao prêmio, foi comprado para
exibição em outros países, como o Brasil, onde tem estreia prevista para
até o começo do ano que vem.
“Estávamos em negociação quando o longa recebeu o prêmio máximo em
Veneza, e não podíamos perder a oportunidade de tê-lo aqui”, diz Claiton
Fernandes, vice-presidente da Califórnia Filmes, distribuidora do filme
no Brasil. Ele lembra ainda que as polêmicas do longa, como a
cena de estupro de uma mulher por aquele que seria o seu filho, podem ajudar a atrair público. “As pessoas vão querer conferir. A produção deve ser um sucesso no circuito de arte.”
Para Ilda Santiago, diretora-executiva do Festival do Rio, que exibiu
Pietà
neste ano em sessões lotadas, Ki-duk é hoje um dos maiores nomes do
cinema da Coreia do Sul. “Já havíamos selecionado o filme antes do
prêmio em Veneza, ficamos felizes em poder oferecer ao público a
possibilidade de acompanhar a carreira de grandes diretores”, diz. Além
deste, foram exibidos outros três longas sul-coreanos no FestRio:
O Livro do Apocalipse,
O Rei dos Porcos e
O Gosto do Dinheiro. O diretor do último, Sang-Soo Im, esteve inclusive presente para divulgar o filme.
A literatura também vive um momento quente na Coreia do Sul. O livro
Por Favor, Cuide da Mamãe,
de Shin Kyung-sook, vendeu 2 milhões de cópias no país antes de ser
lançado em outros 32 – e, em muitos, virou best-seller. No Brasil, onde
saiu pela Intrínseca, o título não chegou a entrar para a lista dos mais
vendidos. Para a autora, a arte foi uma saída encontrada pela Coreia
para chegar a outros países. “Não temos muitos produtos para exportar.
Não temos recursos naturais abundantes, não produzimos nada que possa
fazer a economia crescer. Só sobram coisas intangíveis, como o talento
das pessoas”, diz Shin.
Retorno financeiro – Embora a distinga da vizinha
Coreia do Norte, um dos países mais fechados e isolados do mundo, o que a
Coreia do Sul tem feito não é novidade. Desde os filmes pró-regime
encomendados por Hitler no III Reich até a divulgação do
american way-of-life
por Hollywood, diversos países já fizeram de sua cultura popular um
instrumento de autopromoção para um público interno ou externo.
Reportagem publicada em setembro no jornal americano
Los Angeles Times
afirma, inclusive, que algo similar tem ocorrido na China, onde
empresas de bebidas e produtos alimentícios têm pagado para fazer
merchandising em séries e filmes americanos, como
The Big Bang Theory e
Transformers,
porque isso faz com que essas mercadorias passem a ser mais bem vistas
pela própria população chinesa, que assim compraria mais.
“O governo tem parcerias com o setor privado para espalhar sua mensagem
e popularizar a cultura coreana pelo mundo”, diz o embaixador Ma. Ele
se refere ao fato de que vários integrantes do atual conselho
presidencial da Coreia do Sul são importantes empresários e fabricantes
de produtos. Aliás, o atual presidente do país, Lee Myung-bak, foi por
anos CEO da montadora Hyundai. A estratégia de Myung-bak já deu tão
certo que, só no último ano, o número de turistas em trânsito pela
Coreia do Sul aumentou 20%, para 10 milhões de pessoas. O lucro gerado
por produtos culturais também foi bastante expressivo, injetando 3,8
bilhões de dólares na economia do país em 2011.
Para se ter uma ideia do poder do “efeito Psy”, o valor das ações da
empresa do pai do rapper, que fabrica circuitos elétricos, triplicou com
o sucesso de
Gangnam Style. Não é brincadeira. Da próxima vez
que você vir Psy fazendo a dança do cavalinho, lembre-se: ele tem todos
os motivos para estar com aquele sorrisinho no rosto.
Assista o vídeo:
https://www.youtube.com/watch?v=kpZhZAr1cQU&feature=related